Ela morava dentro do seu espelho, uma das  tantas que se revelava em hora ímpar, uma daquelas que tomava seu corpo e  vontade, e arriscava-se a sentir o vento que anunciava um acontecimento  inevitável. Mirava o castanho do olhar na lâmina prateada e entendia dos  mistérios. Sorria! Chorava! Regurgitava sentimentos úmidos. Vez em quando  percebia a força do inesperado, era assim que se fazia realmente feliz, que  entendia da citação do João chamado Guimarães Rosa: Quando nada acontece há  um milagre que não estamos vendo. E o que não se explicava, se  sentia.
Era abril, provavelmente outono sem folhas tapete de vento, e o céu  trazia um azul tão ensolarado que lhe cegava as vistas, lhe queimava os cílios  fazendo um “trec trec” como se os olhos fossem resquícios de uma natureza que  foi viva. Era criança num corpo de adulta. Possuía dois corações apaixonados e  infinitas poesias que grudavam em seus poros quando estava com alguém, e  mergulhavam nas suas veias quando se encontrava só dentro da caixa de fósforos  que ardia suas cabeças. Tropeçava em sua própria confusão solitária.
O dia  anterior teve duração ilimitada, experimentou sensações e colecionou vivências,  não dormiu. Foi preciso se contorcer nos seus cinco sentidos para aflorar algo  mais gratificante, para dar passos largos em sua cidadania. Foi necessário  estalar seus ossos para abrir sua identidade, para ter consciência que também  era só uma no meio da multidão que lhe freqüentava. O dia não ia ter fim no  pós-despertar.
Quando descansou o corpo no instante da inércia espontânea  imagens surgiram, sonhos. Entendeu ser o combustível para a imaginação que  preenchia seus impulsos diários. Quase não havia lapso em bater a porta sem  olhar para trás. Quase entornava um copo d’água de um só gole. E essa tentativa  raquítica deixava cicatriz no pulso.
Ela habitava uma estação chamada ontem  quando o tempo parou.
terça-feira, 19 de maio de 2009
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